Este Blog conterá a história de minha família, bem como narrações de fatos pitorescos e interessantes ocorridos pelas gerações. Famílias: Addeu e Miorin (famílias ascendentes: Addeo, Naddeo, Nadeu, Sabbeta, Corsini, Bacete, Doratiotto, Visentin, Gaeta, e outras). Acima estão as montanhas de pedras brancas dolomíticas. Maravilha do norte da Itália. Se quiser falar comigo, abaixo das postagens, clique em comentário e deixe sua mensagem.

terça-feira, 13 de novembro de 2012

O caminho do litoral ao planalto paulista - Serra do Mar

Hoje fico imaginando como deveria ter sido a chegada dos imigrantes no porto da cidade de Santos. Desembarcar as bagagens pesadíssimas, controlar as crianças que deveriam correr para todos os lados... Enfim, pisar em terra firme depois de muitos dias no mar. A primeira sensação deveria ser alivio, e depois a de mistério. Olhavam para o mar e já não viam mais sua terra natal. Olhavam para dentro do continente e viam as serras. Enfim, aqui também havia montanhas... e quantas saudades deve ter despertado aquelas montanhas.

Depois de descansarem um pouco, eram encaminhados à estação ferroviária, onde havia um trem que os levaria através da Serra do Mar até a Casa do Imigrante, no Bairro da Mooca, na Capital de São Paulo. Lá descansariam, dormiriam, iriam se alimentar, para depois serem encaminhados para as várias fazendas de café situadas no interior do Estado de São Paulo.

Descrever a subida da Serra do Mar não é coisa fácil, pelo menos para mim que percorri o mesmo caminho reconstituindo a história desse trajeto. Não é fácil escrever tanta beleza em poucas linhas. Até alguns anos atrás os trens ainda circulavam nessa região, depois ficou reduzido apenas para transporte de carga. Os trens eram amarrados com cabos de aço que garantiam segurança na descida e na subida da íngreme Serra do Mar. O caminho dos trens é muito mais preservado do que o caminho pela rodovia. Vegetação mais abundante, parece até que foi intocada pelo homem...

Quem poderá imaginar o que passava nos corações e pelos olhos de nossos bisavós, ao verem aquela Serra repleta árvores, flores, mata virgem, cachoeiras? Não imaginavam que haveria tanta beleza nas terras da “América” - como chamavam o nosso querido Brasil. O trem, subindo a Serra do Mar, calmamente, a neblina, o barulho das cachoeiras, árvores com flores e de folhagens com várias formas e tonalidades... O mar ia ficando cada vez mais distante.
A idéia que circulava na Itália, de que na “América” havia trabalho e oportunidade de empregos, mas também uma terra que necessitava de ser desbravada, onde havia animais ferozes e índios... certamente foi desfeita na visão da Serra do Mar, pois a mata verde que viam não era agressiva, mas extremamente bonita, lembrando mais o caminho do paraíso do que simples mata selvagem. Certamente os olhos de todos brilhavam admirando a terra que “em se plantando tudo dá”, com a exuberância da flora e de vegetação maravilhosa.

Chegando ao seu destino final, no planalto paulista, os imigrantes se perguntavam:

“Onde estão as montanhas?”

Elas não estavam mais lá; havia apenas um planalto extenso de terras férteis.

Esse caminho que une o litoral ao planalto paulista tem uma história muito interessante. Tudo começou no ano de 1560 com o Beato Padre José de Anchieta, com a autorização de Men de Sá, organizou os índios para abrir um novo caminho ligando o Planalto de Piratininga (São Paulo) à São Vicente (litoral).

Paulo de Assunção, em seu livro “São Paulo Imperial: a cidade em transformação” nos descreve os caminhos que ligavam o litoral ao planalto:

[...]
A ligação do litoral com o planalto, a princípio, era feita pela trilha dos tupiniquins, sendo conhecida como Caminho do Mar, ou Trilha dos Guaianazes. Caminho difícil, marcado pelas dificuldades de vencer o relevo, com serras altas, por vezes obrigando que as pessoas engatinhassem e passassem por riachos com água fria. A viagem era feita da Ilha de São Vicente por meio de canoas, depois o caminho era por terra, vencendo as trilhas que conduziam ao Planalto no Rio das Pedras. O trajeto final era feito em embarcações pelo Rio Grande até Jurubatuba, chegando a Santo Amaro, onde havia uma bifurcação. Caso o viajante desejasse, poderia seguir pelo Rio Pinheiros e chegaria a Piratininga; caso fosse por terra, poderia seguir pela trilha existente.
[...]

Em 1788, o Governador Bernardo José de Lorena principiou a construção de um caminho com novo traçado, e o acesso no planalto ficava distante do caminho antigo, além de realizar outros melhoramentos na cidade. A construção do caminho demorou alguns anos e ficou conhecido pelo seu traçado sinuoso e calçamento de pedra. A calçada do Lorena, como ficou conhecida, era uma obra de porte, pois o caminho tinha três metros de largura, uma extensão de nove quilômetros e facilitou a circulação entre o planalto e o litoral.
[...]

“A estrada que ligava o planalto a Santos, segundo Robert Avé-Lallement, possuía um declive suave, mas era cheia de pedras, buracos e erosões que tornavam o caminho perigoso para aqueles que desejassem cruza-la em sege.” (coche com duas rodas e um só assento, fechado em cortinas com cortinas na parte dianteira, puxado por animal).

“A circulação de animais na subida da Serra de Cubatão, atual Serra do Mar, era intensa. [...] Na ponte de Cubatão cobrava-se uma taxa de cada burro que a cruzasse. No entorno da ponte formara-se um povoado incipiente que sobrevivia em função da cobrança de pedágio.”

“Se a beleza da subida da serra extasiava os visitantes, o mesmo não se poderia dizer dos caminhos que seguiam pelo planalto. Robert Ave-Lallemant dizia sentir-se desorientado, quando pisava no planalto cinzento, ermo, que quase só produz relva, em cujas colinas ou serras raro se encontram uma floresta, uma plantação.”

“Ave-Lallemant ao subir a Serra de Cubatão e chegar à região do Rio Grande registrou a hospitalidade de um jovem proprietário de burros que fazia o transporte de viajantes e mercadorias entre São Paulo e Santos. Aqueles que utilizavam os seus muares tinham excelente hospedagem na sua casa, muito bem arranjada e que poderia alojar aproximadamente quarenta viajantes.”

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Ordem cronológica:

1) Antigo caminho feito pelos índios tupiniquins, sob o comando do Beato Padre José de Anchieta, grande jesuíta, discípulo de Santo Inácio de Loyola. Caminho repleto de aventuras, adentrando a mata brasileira, atravessando rios, passando por varias cachoeiras. Muitas rochas e montanhas. Do alto da Serra, dá para ter ampla visão do mar.

2) No ano de 1788, no antigo caminho, foi iniciada a construção da conhecida “Calçada do Lorena”, como descrito acima. Estrada de pedra, muito sinuosa, e com três metros de largura. A Calçada do Lorena é considerada uma verdadeira jóia da engenharia. Foi por ela que Dom Pedro I voltou de Santos, no dia 7 de setembro de 1822, para ir até as margens do Rio Ipiranga de onde proclamou a independência do Brasil. Estava aberta para caminhadas e visitação pública, mediante marcação de horário. Quem visitou a Calçada do Lorena teve muitas surpresas agradáveis da vegetação, dos animais e aves locais, e da vista indescritível. Infelizmente atualmente está fechada. Mas o caminho é tão belo, tão maravilhoso, que muitos aventureiros, se enveredam pelas matas tentando chegar na Calçada do Lorena.


3) Bem próximo à Calçada do Lorena, no ano de 1844 foi inaugurada uma nova estrada: a “Estrada da Maioridade” em alusão à emancipação de Dom Pedro II. Por esta estrada já transitavam carroças e diligências. Sobre o leito desta estrada foi construído no ano de 1917 o “Caminho do Mar”, conhecido também como “Estrada Velha de Santos”, com setenta pontes, e que recebeu a primeira pavimentação em concreto da América Latina, possibilitando o tráfego de automóveis, ônibus e caminhões.

Já no início do “Caminho do Mar” ou “Estrada Velha de Santos” há uma construção magnífica toda feita de pedra, com um mirante espetacular, dando para ver até o mar, em dias sem neblina. É a tão famosa e visitada “Casa de Pedra” – região muito alta na Serra do Mar. A estrada é ótima, ladeia as montanhas da serra com vistas a horizontes maravilhosos, porém ainda muito estreita. Depois de interditada por quase 12 anos para reforma, hoje essa estrada está reaberta ao público, apenas para passeio a pé. Está proibido o tráfego de automóveis; mas o turista pode andar pela estrada o tanto quanto quiser e puder. Além da vegetação e da vista magníficas, há no trajeto várias construções de pedra muito bonitas da época do Império (usadas para descanso de quem fazia o trajeto, com fontes de água). Passeio imperdível.


4) No ano de 1850, o Barão de Mauá viu que os ingleses tinham muita habilidade na construção de ferrovias. A expansão do café exigia a construção de estradas de ferro, onde os trens pudessem transportar grandes e pesadas cargas. Dessa forma, o Barão de Mauá convidou os ingleses para a construção da via férrea que ligaria o litoral com o planalto. Os engenheiros ingleses, construíram na parte mais alta da Serra do Mar, uma pequena vila, onde pudessem trabalhar e morar, juntamente com os demais funcionários da companhia inglesa de trens: São Paulo Railway. Não será difícil imaginar que a vila construída pelos ingleses era bem ao estilo de uma VILA INGLESA, que tem até uma réplica em tamanho menor do famoso BIG-BEN (o relógio de Londres). E foi ali que se iniciou a construção da belíssima estrada de ferro, por onde nossos bisavós passariam posteriormente.

No ano de 1867, foi inaugurada a ferrovia, que transportava passageiros e também a produção de café da província paulista para o porto de Santos. No ano de 1874 foi oficialmente inaugurada a Estação do Alto da Serra, que mais tarde, seria denominada Paranapiacaba (que na língua tupi-guarani quer dizer: lugar de onde se vê o mar). E é lá que se encontra até hoje a Vila Inglesa bem como os trilhos, os trens e a história, pois até um museu tem lá. Visita imperdível.

5) No período entre os anos de 1929 até 1947, em outro lugar, foi construída a Rodovia Anchieta, muito sinuosa e com declive suave, cortando a floresta da Serra do Mar e algumas cachoeiras, com túneis curtos. O nome da Rodovia é uma homenagem a quem tanto fez pelo Brasil, inclusive organizando os índios para fazer aquele primeiro caminho entre o mar e Piratininga (São Paulo). A Rodovia Anchieta, através de túneis, pontes e viadutos conseguiu diminuir ainda mais a distância entre o litoral e o planalto. Estrada muito bonita, com vasta vegetação e poucas cachoeiras. Nessa Rodovia há muita neblina, às vezes. É preciso ter muito cuidado.

6) No ano de 1976, foi inaugurada outra rodovia, com mais benefícios. Poucas curvas, muito larga, declive muito suave, parte dela iluminada, com pouca neblina, túneis mais longos. O nome dessa Rodovia não poderia ter sido outro senão uma homenagem a quem ajudou construir esse Brasil tão grande: Rodovia dos Imigrantes. É um caminho muito bonito, porém muito longe da beleza dos outros caminhos, especialmente os mais antigos que adentravam na mata brasileira e onde até as neblinas são mais espessas.

domingo, 11 de novembro de 2012

Famílias: Abbud e Naddeo

Andando pelo Bairro do Sacomã, na cidade de São Paulo, parei por um momento em frente à estação do metrô que tem o mesmo nome: Sacomã. Por alguns instantes meu pensamento voou para um passado distante. Nesse mesmo local, onde atualmente é uma estação de metrô, Rua Greenfeld, número 127, havia uma casa onde estava estabelecida uma firma individual denominada “Fuad Gabriel Abbud” – Seu nome era o nome de sua empresa. Era casado com a irmã de minha avó materna, Anna Naddeo.

Anos 1960-1968.

Minha maior preocupação quando resolvi escrever a história de minha família, sempre foi reunir fontes idôneas, desde a Imprensa Oficial (Diário Oficial), até documentos de arquivos públicos e particulares, livro e até músicas muito antigas onde eu tinha, na música e na letra, os costumes da época. Não faltaram as generosas colaborações de minha família vindo de todas as partes (textos, fotos, documentos...). A década de 60 foi de grande importância na minha vida, pois abrangeu minha infância. Nasci de família católica, recebendo de meus pais uma ótima educação. Tanto meu Pai quanto minha Mãe jamais mediram esforços para me oferecer o que há de bom e de melhor. Quando eu atingi a idade da juventude, e passei a entender um pouco melhor as coisas; ao visitar com meus pais os vários parentes maternos e paternos, compreendi que bondade era uma característica secular da família. Cada qual com seu jeito, cada qual com seu modo, mas havia uma harmonia da boa educação cujo traço ultrapassava os anos da história.

Se há uma conversa que me agrada muito é a história da família. Essa história, narrada pessoalmente pelos meus avôs e avós, pela minha bisavó materna com quem convivi por muito tempo, pelos meus inúmeros tios e tias, pelos primos e parentes mais velhos que eu, guardei em minha memória. Especialmente quando observava, em minha família, a preservação das tradições e dos bons costumes, então eu ficava horas e horas ouvindo sem cansar. Meu pai, ao recordar os fatos de família comigo já adulto, uma vez me disse: “O marido da Anna Naddeo era muito alegre, decidido, correto, acolhedor, amigo e tinha muita fé.”

Pelos idos tempos do ano de 1966, eu era ainda uma criança muito jovem, com apenas sete anos de idade, (meu Pai, minha Mãe e eu) visitamos minha Tia-Avó Anna Naddeo. Era tão bom conversar com gente que era a história viva de nossa família; pois, Anna Naddeo (irmã de minha avó Rosa Nadeu) era filha direta de imigrantes italianos e nossos costumes ainda estavam muito presentes no cotidiano familiar. Foi nessa ocasião que seu marido Fuad nos convidou para conhecer seu comércio, sua loja. Era uma loja bem arrumada, cheia de caixas e prateleiras, com um balcão comprido. É o que me lembro.

Sua filha, minha prima Sonia, lembrou: [...] “sua visita à loja deve ter ocorrido em 1966. Essa loja, super abastecida de armarinhos, papelaria e brinquedos, teve histórias. Recordo-me que quando fiz 6 anos de idade, meu pai insistia para que eu escolhesse de presente uma boneca Susy (na época, lançamento), mas eu exitava em aceitar a boneca. Ele frustrado pediu então que eu escolhesse o presente. Tal foi a sua surpresa quando apontei o que eu queria: uma mala escolar imensa e toda preta. Contrariado, acatou meu pedido!!!! Agora pensando o porque de uma criança de 6 anos não ter optado pela boneca (atração do momento); tudo bem, [...] eu como filha do proprietário do estabelecimento, que incluía brinquedos, já possuía diversas bonecas,” [...] “Obrigada!!! Lembranças a todos! Sônia.”

Voltamos ao passado de 1966. Na loja maravilhosa e cheia de novidades. A noite vinha chegando, e, como sempre, meu pai e o Fuad, conversavam descontraidamente, quando de repente, num ato de bondade, o Fuad pegou uma caixa numa prateleira e disse para mim:

- É para você.

Eu, que não esperava isso, peguei a caixa toda colorida e cheia de desenhos e, calmamente, observei tudo o que estava estampado nela. Ao abrir a caixa, descobri que era uma coleção peças para mágica (cartas, argolas, palitos, alfinetes de gancho preparados, tubos, bolas, e tantas outras coisas, para fazer meu show de mágicas). Meus olhos correram detidamente em todas aquelas inúmeras peças coloridas bem ajeitadas na caixa. Olhei para o meu tio-avô: um sorriso de satisfação em seu rosto. Não é preciso dizer que guardei com muito zelo aquele presente maravilhoso, que toda a criança gostaria de ganhar. Brinquei tanto com essas mágicas que acabei decorando todos os truques. Era uma imensa alegria, não só pelo brinquedo, mas pelo carinho com que me foi dado.

Sua esposa (que era irmã de minha avó materna) não era diferente. Sempre carinhosa, amiga, atenciosa. Sempre gostei muito deles. No entanto o Fuad sofria de trombose. E foi em 21/11/1.967 que uma triste noticia circulou de forma dolorosa: Fuad, muito jovem ainda, havia falecido. Jamais me esquecerei dele.

Deixou sua esposa e dois filhos pequenos, meus primos: Gabriel e Sônia.

Posteriormente, Anna Naddeo acabou se mudando para o Bairro do Paraíso, ainda na cidade de São Paulo, bem próximo a Igreja Nossa Senhora do Paraíso onde eu ia assistir a missa dominical. Algumas vezes, eu e minhas irmãs fomos visita-la. Depois de muitos anos Anna também veio a falecer, ficando apenas os dois filhos, meus primos, agora já maiores de idade.

Gabriel tem dois filhos: Julio César e Maria Cláudia.
Sônia tem um filho: Rafael

A uma família, várias outras se unem. Dessa união brotam maravilhas de tradição. Meu pai me contava que na festa de casamento de Fuad com Anna havia uma alegria contagiante. Comidas e músicas típicas, entre outras tantas coisas com as quais de festejava aquela união abençoada por Deus. Meu primo Gabriel, sempre quando me encontra, lembra do fato de que quando éramos pequenos, na casa de minha avó materna, tocávamos guitarra e violão juntos.

Hoje lembro com muita saudade de tudo isso.