Este Blog conterá a história de minha família, bem como narrações de fatos pitorescos e interessantes ocorridos pelas gerações. Famílias: Addeu e Miorin (famílias ascendentes: Addeo, Naddeo, Nadeu, Sabbeta, Corsini, Bacete, Doratiotto, Visentin, Gaeta, e outras). Acima estão as montanhas de pedras brancas dolomíticas. Maravilha do norte da Itália. Se quiser falar comigo, abaixo das postagens, clique em comentário e deixe sua mensagem.

domingo, 6 de maio de 2012

As janelas de outrora

Meus avós paternos já haviam mudado de casa algumas vezes, mas jamais sairam do Bairro da Mooca, na capital de São Paulo. Numa dessas mudanças, há muitos anos atrás, foram morar na Rua Siqueira Bueno (uma das ruas principais do bairro). Quando meu pai me levava para ir visitar meus avós, eu olhava com admiração uma grade de madeira que havia na janela que dava para o quintal. A grade estava muito bem feita, com pequenos vãos de tal forma que quem estava dentro via quem estava fora, mas quem estava fora não via quem estava dentro. Achava isso muito interessante. Atribuia isso ao capricho do meu avô que sempre fazia as coisas com precisão e arte.

Porém somente mais tarde eu vim a saber que aquelas grades eram resquícios de São Paulo antigo e que um dia o governo havia se insurgido contra elas. Mais uma vez o governo se metendo em coisas particulares, injustamente.

A história de São Paulo fala dessas lindas grades de madeira.

“Costumes que custaram a acabar”

Durante mais de trezentos anos existiram rótulas na Cidade de São Paulo. Aquele gradeado de madeira, com seu estilo árabe peninsular, escondeu muita coisa, principalmente o tímido amor das paulistanas. Um viajante francês de 1840 já se queixava: “têm-se a impressão de que se é espreitado por toda a parte; entretanto as ruas de São Paulo são quase desertas”. Referia-se, naturalmente, às indiscretas rótulas...

Haviam-nas em toda a parte, desde as casas pobres de taipa até os sobradões enfeitados de azulejos dos fazendeiros apatacados. Um dia, porém, em nome do progresso, resolveram derrubá-las e nasceu uma discussão terrível. uns a favor, outros contra. A polêmica saiu dos becos e foi para as colunas dos jornais. “O Constitucional”, em 21 de outubro de 1854, protestava assim:

“O Constitucional” noticiou que o sr. tenente-coronel Luz, solícito pelo bem da municipalidade, projetava, segundo se lhe informara, propor à deliberação da câmara da capital a necessidade de vedar a abertura das portas e janelas para a rua. Como tanto o bem como o mal neste mundo tem defensor, por isso já houve alguém a dizer que convinha não declarar guerra às pobres rótulas, que são muito cômodas: - cômodas em que sentido? para ocultarem-se as famílias, as vidraças cobertas com esteiras da China nas janelas baixas, como se pratica em Santos, no Rio de Janeiro, etc., produzem o mesmo efeito. e ocultarem-se de quê? Somos nós um povo de cucas! Demais, vai ai grave questão de moralidade: é bom refletir sobre o estímulo de tudo que se esconde. As pequenas povoações do nosso litoral, várias vilas e cidades do interior prescreveram as esteiras de palha, ou de pau dos seus edifícios; estamos nós mesmos adiantados, e a nossa moralidade é inferior à delas? De resto é fora de questão que muito melhora de aspecto a capital da província com a providência projetada, que os perigos das abalroadas nas janelas desaparecem; e quem sabe que influência exercerá nos nossos costumes?”

Passaram-se os tempos, e, apesar de tudo, continuaram as rótulas. Em fins de dezembro de 1873, eis que a câmara municipal tomava a deliberação de pôr-lhes um termo. um edital, publicado na imprensa local, dizia o seguinte:

“de ordem da Ilma. Câmara Municipal declaramos que o prazo improrrogável para a substituição de rótulas, postigos, cancelas, portas ou janelas de abrir para fora, finda-se em 31 do corrente mês; e, para que ninguém alegue ignorância, findo esse prazo, o infrator será multado em 5$000, e mais no de fazer a obra a sua custa. São Paulo, 22 de dezembro de 1873. O fiscal do distrito do norte, João Antonio de Azevedo. O fiscal do sul, Pedro Nolasco da Silva Fonseca”.

A 1o de janeiro de 1874, o “Diário de São Paulo”, na primeira coluna da primeira página, publicava a seguinte nota veementíssima:

“Ao povo - a Constituição Política do Império garante o direito de propriedade em toda a sua plenitude; e se é isto verdade incontestável, é igualmente certo que a câmara municipal não pode obrigar os proprietários a tirarem ou mudarem as rótulas dos seus prédios; e fazendo-o comete um escandaloso atentado contra a Lei Fundamental do Estado. A lei não pode ser retroativa; nem pode condenar ou proibir hoje o que se consentiu que se fizesse ontem; não pode alterar aquilo cuja fatura permitiu. A câmara não pode dar padrões para as construções; mas abusa do seu poder ordenando a alteração da forma dos prédios, contra os interesses dos proprietários. o povo tem o direito de resistência contra ordens ilegais; deve opor-se a este escândalo.

Entretanto, com o passar dos anos, aos poucos, as rótulas foram saindo das janelas paulistanas. Em 1880, a maioria das casas já não usavam mais.

Fonte:
São Paulo de Nossos Avós - Raimundo de Menezes
Ilustrações de Belmonte, publicada no livro “Rotulas e Mantilhas” de Edmundo Amaral

OBS: Na foto acima, a casa de minha avó paterna com as rótulas. Minha avó Zilda no meio com suas duas irmãs Ismênia e Eduarda. O seu irmão Jorge não está na foto. O homem é marido da Eduarda e chamava-se: Francisco D'Assis Monteiro de Castro, vulgo "nene" (sub-delegado regional do Bairro do Belenzinho, Capital de São Paulo).

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