Este Blog conterá a história de minha família, bem como narrações de fatos pitorescos e interessantes ocorridos pelas gerações. Famílias: Addeu e Miorin (famílias ascendentes: Addeo, Naddeo, Nadeu, Sabbeta, Corsini, Bacete, Doratiotto, Visentin, Gaeta, e outras). Acima estão as montanhas de pedras brancas dolomíticas. Maravilha do norte da Itália. Se quiser falar comigo, abaixo das postagens, clique em comentário e deixe sua mensagem.

sexta-feira, 28 de junho de 2013

Provérbios em Talian - o dialeto Vêneto-Brasileiro

No período entre os anos de 1876-1920, vieram da Região do vêneto 365.710 imigrantes. Da Campânia, 166.080; da Calábria, 113.155; da Lombardia, 105.973; do Abruzzo-Molise, 93.020; de Toscana, 81.056; de Emilia-Romagna, 59.877; da Basilicata, 52.888; da Sicília, 44.390; do Piemonte, 40.336; da Puglia, 34.833; do Marche, 25.074; do Lacio, 15.982; da Úmbria, 11.818; da Ligúria, 9.328 e da Sardenha, 6.113.

Como se vê a região da Itália de onde vieram mais imigrantes, foi a Região do Vêneto. Eles vieram e se estabeleceram no sudeste e sul do Brasil, com seu dialeto próprio, que se manteve durante os anos.

O vêneto falado no sul do Brasil é arcaico quando comparado ao vêneto falado atualmente na Itália, pois é semelhante ao usado no século XIX. Ademais, com o advento da rádio e da televisão, começou uma forte interferência da língua portuguesa no vêneto falado pelos imigrantes no Brasil. Em decorrência, o vêneto brasileiro evoluiu de forma diferente da variedade falada na Itália, uma vez que incorporou itens lexicais do português e se manteve ligado à maneira como era falado no século XIX. Assim, usa-se o termo talian para diferenciar o vêneto falado no Brasil do dialeto vêneto hoje usado na Itália.

O talian é uma variante brasileira da língua vêneta, da mesma forma que o Riograndenser Hunsrückisch é um dialeto falado por descendentes de alemães no Sul do Brasil. O talian não é considerado uma língua estrangeira no Brasil, mas sim uma língua nacional brasileira, porém, sem status de língua oficial.

Hoje eu trago alguns provérbios no dialeto de Vêneto, aqui no Brasil conhecido como “Talian”:

"Can vècio no'l ghe sbaia a la luna" - Cão velho não late pra lua

"Come noantri no ghen'è altri" - Como nós, não há nenhum outro

"Come San Tomaso, no'l ghe crede se no'l ghe mete el naso" - É como São Tomé, não acredita se não mete o nariz

"Chi fà de so testa, paga de so borsa" - Quem faz da sua cabeça, paga do seu bolso

"A caval de un porco grasso" - A cavalo de um porco gordo (Sem nenhuma segurança)
"Amor sensa barufa el fa la mufa" - Amor sem briga, da dor de barriga

"A paroni e mati no se ghe comanda mia." - A donos e loucos não se pode dar ordens.

"Ari che semo apari." - Opa que estamos de acordo..!

"Beati i ùltimi se i primi i ga creansa." - Benditos os últimos se os primeiros são educados.

"Brina su el pantan , piova inco o doman." - Geada na lama, chuva na cama.

"Bruta come el temporal." - Feia como a tormenta.

"Cativa come na brespa." - Braba como uma vespa.

"Chi dà, se smentegá; chi riceve se ricorda." - Quem dá, esquece; quem recebe se lembra.

"Chi è stato rè, el sarà sempre maestà." - Quem foi rei, será sempre majestade.

"Chi fà el prim paga el vin." - Quem faz o primeiro, paga o vinho.

"Chi fà dopo, paga tropo (pròpio)" - Quem faz depois, paga para os dois. (de fato)

"Chi ga prèssia, magna crudo." - Quem tem pressa, come cru.

"Chi ga mia testa, ga gambe." - Quem não tem cabeça, tem pernas.

"Chi guadagna ga sempre rason." - Quem ganha tem sempre razão.

"Chi ride, vive depì." - Quem ri, vive mais.

"Chi sparagna, el gato magna." - Quem economiza, o gato come.

"Chi va drio ai altri, no riva mai prima." - Quem segue os outros, nunca chega primeiro.

"Ciari come le mosche bianche." - Raros como as moscas brancas.

"Ciucia fighi." - Chupa figos..! (Explorador, vigarista.)

"Ciuco come na porta". - Bêbado que nem uma porta.

"Coion el ozel chel ga s-chifo del so nido". - Bobo o passarinho que despreza o próprio ninho.

"Co l’àqua la toca el col se impara nodar". - Quando a água chega ao pescoço aprende-se a nadar.

"Col ghe riva, nol dòpera mia la scala". - Quando alcança não usa escada.

"Come San Tomaso; el crede s’el ghe mete el naso". - Como São Tomaz; acredita só se mete o nariz.

"Come valo el cuor..? – A colpi, a colpi". - Como vai o coração..? – A golpes... A golpes...!

"Cossì, cossì, come na dona sensa el marit." - Assim, assim, como uma mulher sem o marido.

"Contar busie l’è dir el contràrio de quel che se pensa". - Mentir é dizer o contrário do que se pensa.

"De note, un soco el par un orso". - À noite, um toco assemelha-se a um urso.

"De tanto ndar al posso el baldo el perde el mànego". - De tanto ir ao poço o balde perde o cabo.

"Disi sempre che la è cota". - Diga sempre que já está cozida. (Concordar é melhor que contestar)

"Dona bruta, rispeto a casa". - Mulher feia, respeito em casa.

"Dopo del oio, tuto sbrìssia". - Depois da graxa, tudo desliza.

"Drito come un ciodo". - Reto como um prego.

"El balordo el perde el capel e el scrive el so nome". - O maluco perde o chapéu e escreve seu nome.

"El can de tanti paroni el more da fame". - O cão de muitos donos morre de fome.

"El formàio gratà , el fa spissa ai zenoci". - O queijo ralado faz comichão nos joelhos.

"El ga na sorte come un can in cesa". - Tem tanta sorte como um cachorro na igreja. (Só leva coices)

"El gato broà, el ga paura, fin de àqua freda". - Gato escaldado tem medo de água fria.

"El ghe trà a la bocia e el ciapa el bocin". - Atira na bochas e acerta o balim.

"El ghe piomba i vermi". - Leva-o à destruição.

"El la capisse sempre a la reversa". - Compreende sempre às avessas.

"El malan el porta el san". - O doente conduz o sadio.

"El mèio dea festa l’è pareciarla". - O melhor da festa é prepará-la.

"El menestro el ga perso el mànego". - A concha perdeu o cabo. (Um chefe perdeu autoridade)

"El pi busier el lo cata". - O mais mentiroso o encontra (Um perdido..)

"El piande el mort par ciavar el vivo". - Chora o defunto para lograr o sobrevivente.

"El pianta aio par catar sù séole". - Planta alho para colher cebolas.

"El primo di che se va in campagna no se fa mia formàio". - O primeiro dia que se vai ao campo não se fabrica queijo.

"El pi grando inferno in tera , la è na fameia in guera". - O maior inferno na terra é uma família em guerra.

"El scrive come un dotor". - Escreve como um doutor. (Ilegível)

"El va farse benedir". - Vai ao paraíso. (Mais candidamente)

"El va indrio come i gàmbari". - Retrocede como os caranguejos.

"El vol sconder el sol col tamiso". (crivel) - Quer tapar o sol com a peneira.

"Fàcile come el ovo de Colombo". - Fácil como o ovo de Colombo.

"Fate furbo..!" - Acorda..!

"Fin che la dura, mai paùra". - Até que é robusto, nada de susto.

"Fumana bassa, la piova la passa". - Cerração baixa, sol que racha.

"Fumana u el monte, piova tea fronte". - Cerração no morro, chuva no coro.

"Furbo come la volpe". - Esperto como a raposa.

"Furbo come un merlo". - Esperto como um melro. (Dorminhoco)

"Ghe tiro a chi no vedo e copo chi no credo". - Atiro no que vejo e acerto no que não creio.

"Giusto come un deo tel naso". - Exato como um dedo no nariz.

"Giusto come trè e trè i fa sèi". - Exato como "três e três são seis.”

"Giusto come un mostacio". - Certo como o fio de bigode.

"Gras come un porsel". - Gordo que nem um porco.

"Guadagnà in festa, fora par la finestra". - Ganho na festa, fora pela janela. (Ganho fácil, gasto rápido)

"Indormenso col can, dismìssio co i puldi". - Adormeço com o cão, acordo com as pulgas.

"In driocul come un gàmbaro". - De ré, como um caranguejo.

"Inocente come un gal de sete ani". - Inocente como um galo de sete anos.

"Intrigà morir". - Lutando para morrer.

"I se vol un ben da can". - Se prezam que nem cachorros.

"I soldi i fa balar anca el orso". - O dinheiro faz dançar até os ursos.

"I tosati e i colombi i sporca le case". - As crianças e os pombos sujam as casas. (Não guardam segredo)

"La alegria la spanta la malatia". - A alegria espanta a doença.

"La cavra che sbèrega la perde el bocon". - A cabra que berra perde o bocado.

"La morte dea piégora, la salute dei can". - A morte da ovelha é a saúde do cão.

"La mussa e i trenta soldi". - A mula e os trinta dinheiros (Para quem quer tudo).

"La ociosità la è la mama de tuti i vìssii". - A ociosidade é a mãe de todos os vícios.

"La sìmia che se grata, la ciama i balini". - Macaco que se coça quer chumbo.

"La soméia un pèrsego maduro". - Parece um pêssego maduro. (A moça muito bonita.)

"Le busie le ga le gambe curte". - As mentiras têm as pernas curtas.

"L'è come el diàolo ntel àqua santa". - É como o diabo na água benta.

"L'è pi indrio che le patate del porco". - É mais atrasado que batata de porco.

"L'è sordo come na campana". - É surdo como um sino.

"L'è un descanta baùchi". - É um desperta dorminhocos.

"Maledeta la prèssia". - Maldita a pressa.

"Magna quel che te gh’è e tasi quel che te sè". - Coma o que tiveres e cala o que souberes.

"Magna panoce..!" - Comedor de milho ..! (Para chamá-lo de animal)

"Magnemo polenta e pessi ntel rio". - Comemos polenta e peixes no rio.

"Na disgràssia no la vien mai sola". - Uma desgraça nunca vem sozinha.

"Na bronsa querta". - Uma brasa coberta. (Imprevisível.)

"Nissun l'è tanto grando che nol possa imparar; nissun l'è tanto pìcolo che nol". - Ninguém é tão grande que não possa aprender; ninguém é tão pequeno que não possa ensinar.

"Nol ghe vede un palmo davanti el naso.." - Não enxerga um palmo diante do nariz.

"Ntel perìcolo lè mèio starghe distante, che saverla longa". - No perigo é melhor ausência de corpo do que presença de espírito.

"O magna sto osso o salta sto fosso". - Ou come este osso ou pula este poço.

"Ogni busa la ga la so scusa". - Toda a cova tem sua desculpa.

"Ogni fuso el ga el so buso". - Cada barbante tem sua passagem.

"Par ndar in Paradiso bisogna diventar inocenti come i tosatèi". - Para ir ao céu é preciso tornar-se inocente como as crianças.

"Pimpian se va a lontan, forte se va a la morte". - Devagar se vai ao longe; forte se vai à morte.

"Piova de inverno, deventa un inferno". - Chuva no inverno, vira um inferno.

"Piova de istà, beati chi la ga". - Chuva de verão, benditos os que a terão.

"Piove a sece roverse". - Chove aos baldes.

"Prima San Piero, dopo i so Apòstoli". - Primeiro São Pedro, depois os outros apóstolos.

"Rosso come un gàmbaro tea padela". - Vermelho como um caranguejo na frigideira.

"Rosso come un garòfolo". - Vermelho como um cravo.

"Scarpe nove fa mal ai pié". - Sapato novo machuca o pé.

"Se Dio vol e el toro el me assa". - Se Deus quiser e o touro permitir.

"Sgionfo come un rospo". - Estufado como um sapo.

"Va farte benedir..!" - Vá fazer-te abençoado..!

"Va piantar patate..!" - Vá plantar batatas..!

Quem quiser saber mais sobre o Talian:

Fonte dos provérbios em Talian:

Fonte da foto: Capa da Revista Talian - Brasil

sábado, 15 de junho de 2013

O Salvo Conduto e minha bisavó Ângela Doratiotto Miorin

Depois que passaram a morar no Bairro da Moóca (Capital de São Paulo), meus bisavós Antonio Miorin e Angela Doratiotto Miorin viveram tranquilamente, seus filhos arranjaram emprego e a vida prosseguia normalmente. Porém um de seus filhos havia ficado na cidade de Campinas: o filho que permanecera solteiro e que trabalhava numa leiteria: Luiz Miorin.

Luiz Miorin, vinha sempre visitar seus pais (meus bisavós) no bairro da Mooca. Há muita história para contar sobre ele, algum dia vou fazer uma postagem só sobre os filhos de meus bisavós maternos.

Porém a situação política mundial agravava e os povos não mais se entendiam. Depois da Primeira Grande Guerra, veio a Segunda Guerra Mundial. Os empresários italianos tinham que transferir a sua empresa para gente de confiança que tinha nacionalidade brasileira. Era proibida a livre circulação de estrangeiros em território nacional. Para viajar de uma localidade para outra era preciso estar acompanhado de um “salvo-conduto”.

Minha bisavó, Angela Doratiotto Miorin, certamente preocupada com as restrições de livre circulação em razão da guerra, como seu filho não vinha mais visita-la, e ainda preocupada porque seu filho Luiz Miorin tinha um certo problema de saúde, resolveu então ela mesma ir para Campinas visitá-lo na Leiteria Sant'Ana. Mas não era fácil pegar o trem e partir livremente, a policia poderia causar algum embaraço, pois minha bisavó era italiana. Foi assim que ela foi obrigada a solicitar das autoridades um documento chamado "Salvo-Conduto" que lhe permitia viajar sem qualquer problema. Ela deveria pegar o trem rumo à cidade de Campinas para ir à Leiteria Sant’Ana, onde trabalhava seu filho Luiz Miorin. Com o "Salvo-Conduto" cujo documento está em foto nesta postagem, ela poderia ir de trem.

Então foi solicitado perante às autoridades brasileiras a emissão de um salvo-conduto, para viajar de trem até Campinas, na Leiteria Sant’Ana.

Uma observação importante é que no salvo conduto, constou a data de nascimento de minha bisavó como sendo 19/07/1874, sendo que na verdade sua data de nascimento correta é 15 de janeiro de 1876, conforme consta no seu documento de identidade.


O SALVO CONDUTO, era válido para uma viagem com destino até Campinas, através de trem (Via Férrea), cujo endereço final era: Leiteria Sant’Ana – motivo da viagem: visita. Era válido até 09/03/1944.

O estrangeiro, portador da presente caderneta “salvo-conduto”, só poderá obter o “visto” afim de viajar para localidade determinada e com prazo certo.

Chegando ao destino, deverá apresentar-se à autoridade policial da localidade, à qual exibirá esta caderneta, para as devidas anotações.

Ao retirar-se da localidade, deverá obter novo “visto” para a localidade que de destina.

Os “vistos” dos Salvos-Condutos só serão válidos para uma viagem.

O portador da presente caderneta fica obrigado por ocasião do embarque ou durante a viagem, a exibir, quando solicitado, juntamente com esta, a prova de nacionalidade.

SOBRE O SALVO CONDUTO:

Salvo-conduto é um documento emitido por autoridades de um Estado que permite a seu portador transitar por um determinado território. O trânsito pode ocorrer de forma livre ou sob escolta policial ou militar.

Os salvo-condutos são emitidos principalmente em tempos de guerra para cidadãos que potencialmente possam ser capturados sob alegação de diversos motivos.

No Brasil, os salvo-condutos foram emitidos em larga escala durante a Segunda Guerra Mundial aos milhares de imigrantes italianos, alemães e japoneses. O salvo-conduto era necessário para que os imigrantes pudessem se deslocar dentro do Brasil, que havia declarado guerra ao Eixo. Era também muito comum que fossem emitidos salvo-condutos também aos filhos destes imigrantes já nascidos no Brasil, mas que pouco falavam a língua portuguesa por viverem dentro das colônias sem contato com as grandes cidades.

Atualmente, o salvo-conduto é um privilégio diplomático.

Este também é uma ação constitucional, o "Habeas Corpus". Ao garantir a proteção de liberdades individuais de locomoção quando esta se encontra indevidamente em vias de violação. Sendo mera ameaça de violação do direito de ir e vir o Habeas Corpus é obtido por meio de um 'salvo-conduto'.

http://pt.wikipedia.org/wiki/Salvo-conduto

sexta-feira, 14 de junho de 2013

Famílias Miorin e Doratiotto - uma amizade eterna

Minha bisavó materna, Ângela Doratiotto, havia chegado como imigrante no Brasil, no ano anterior ao de sua própria família. Segundo ela mesma dizia, viera ao Brasil com a família de Sperandio Miorin. 

Sua nora, Rosa Nadeu (minha avó materna) comentava comigo que não sabia se isso era verdade. Mas, anos depois, estudando a história da imigração, pude constatar que ela realmente não veio para o Brasil com seus pais Giuseppe Doratiotto e Santa Basetta (que chegaram no Brasil, desembarcando no porto da cidade de Santos, com o Vapor Solferino, em 19/12/1892, com seus demais filhos).

Sperandio Miorin, nascido no ano de 1858, morava em Treviso com sua mulher Ângela Padovese (casados em 18/04/1887). Juntamente com sua família, trouxeram minha bisavó (Ângela Doratiotto), para o Brasil alguns meses antes de seus pais. Ela ainda era uma menina. Chegaram ao porto de Santos (Estado de São Paulo – Brasil), com o Vapor N. América em 11/09/1891.

Porque ela veio junto com Sperandio e não com sua família? A hipótese mais provável dos estudos, como tudo indica, leva a crer que minha bisavó Ângela Doratiotto, quando menina, trabalhava para Sperandio Miorin, fazendo serviços domésticos e cuidando dos filhos pequenos do casal: Luigi (3 anos de idade) e Fiorella (1 ano de idade). Ângela Doratiotto era ainda bem jovem (tinha uns 13 ou 14 anos), mas provavelmente queria ajudar no orçamento familiar de sua família que era modesta. Seu pai, Giuseppe Doratiotto (filho de Pasquale Doratiotto), era cozinheiro num mosteiro de frades ou seminário.

A Família Doratiotto, mais remotamente veio das regiões montanhosas do Norte da Itália. Acostumados a neve pesada e montanhas escarpadas, vales de ouro e rios de prata, pequenas casas cobertas de flores – como diz a música Trentina e do Alto Ádige. Montanhas de pedras brancas, confundindo o turista, se ainda é a Itália ou a trilha que leva ao Paraíso.

Pasquale Doratiotto (meu tetra-avô que nasceu no ano de 1811) tinha dois filhos: Giuseppe Doratiotto (nasceu em 1844) e Giovanni Doratiotto (nasceu em 1846). Todos nasceram e viviam na comune de Roncade (Província de Treviso, Região do Vêneto). Vieram para o Brasil como imigrantes, se estabelecendo na cidade de Itatiba – interior do Estado de São Paulo. Posteriormente a família se dividiu: os descendentes de Giovanni Doratiotto se mudaram para a cidade de Atibaia (interior de São Paulo) e ainda hoje lá se encontram de grande número. Os descendentes de Giuseppe Doratiotto, vieram para o bairro da Mooca – Capital de São Paulo.

Giuseppe Doratiotto (meu tri-avô materno), era casado com Santa Basetta. Tiveram vários filhos e filhas. Minha bisavó Ângela Doratiotto (filha de Giuseppe e Santa), nasceu na comune de Roncade, Província de Treviso, Região do Vêneto, aos 15/01/1876 (faleceu no ano de 1968, com 92 anos de idade, no bairro da Mooca – São Paulo, Brasil), e sempre contava que, em Treviso, ela morava numa praça muito bonita, onde no centro havia uma Igreja.

A minha tri-avó Santa Basetta, era descendente de família do norte da Itália também, da região da Lombardia, cuja capital é Milão. Fica perto da região do Piemonte (Torino, Vale d’Aosta, Genova), região dos grandes Alpes cobertos de Neve.

Mas tudo começou quando a família toda se estabeleceu, como imigrantes, na cidade de Itatiba – interior de São Paulo, sobre a qual falarei mais adiante.

ELO DE LIGAÇÃO DE AMIZADE ENTRE OS DORATIOTTO E OS MIORIN:

Qual era a ligação entre os Miorin e os Doratiotto? Ambas famílias moravam em Treviso – Região do Vêneto. Os Miorin moravam em sua grande maioria na Região de Friuli Venezia Giulia, na Província de Pordenone, comune de Cordenons. Mas muitos moravam na Província vizinha de Treviso, na Região do Vêneto. 

A família Miorin sempre foi muito amiga da família Doratiotto. A família de minha bisavó vivia muito modestamente, mas os Miorin, apesar de também sofrerem as enormes dificuldades da época, tinham terras e plantavam. Cultivavam e faziam cordas de fibras vegetais que vendiam para toda a região bem como para os países vizinhos, como a Áustria.

Meu bisavô Antonio Miorin, que no Brasil veio a casar-se com minha bisavó Ângela Doratiotto, freqüentava escola (na Itália e depois no Brasil), sabia ler e escrever italiano e português, era muito inteligente. Como líder natural, acostumado com os negócios de família, comandava os imigrantes nos trabalho nas fazendas. De madrugada, antes de raiar o sol, ia para adiante das vilas de casas e puxava a corda do sino que trouxera da Itália, para acordar seus irmãos imigrantes, e iniciar os trabalhos da fazenda.

A FAMÍLIA MIORIN NA ITÁLIA E DEPOIS EM ITATIBA:

Na Itália, Francesco Miorin (meu tetra-avô) era casado com Catterina Simonetti (que era da região de Treviso). Ambos tinham família muito numerosa. Mantinham sua propriedade rural, com plantações e especialmente de fibra vegetal para a produção de cordas que eles mesmo fabricavam. Cordas, na época eram muito utilizadas em vários setores.

Já escrevi em outras postagens, que recomendo a leitura, sobre a terrível crise que se abatia sobre a Europa no século das imigrações. Com a abertura dos portos aos imigrantes, a América atraiu para si milhares de europeus. Faziam propaganda das férteis terras brasileiras, do clima tropical, do futuro promissor aos desbravadores europeus... Era irresistível.

Um dos filhos de meu tetra-avô Francesco Miorin, chamava-se Francisco Miorin (nascido no ano de 1845 - meu tri-avô), era casado com Celeste Visentin (minha tri-avó). Casaram-se em Treviso, na Itália, aos 21/11/1871.

Reuniram a família, conversaram, e muitos decidiram vir para a “América” (como eles chamavam o Brasil). Decisão muito difícil na época, pois tinham bens e negócios. Mas a crise provocada por movimentos revolucionários abatia todos. Mudanças na Europa, queda de monarquias, movimento de unificação da Itália, tudo levava para um caos que parecia não ter fim. Depois de uma reunião em família, resolveram vender tudo, deixando apenas algumas coisas para os que ficavam em solo italiano. Meu tri-avô trouxe para o Brasil uma mala cheia de dinheiro austríaco (certamente fruto da venda da fazenda). Entre irmãos, cunhados, primos, filhos, esposas, etc, acredita-se que umas 90 pessoas dos Miorin daquela região, resolveram vir para “América”.

Pegaram seus filhos, primos, irmãos e partiram para a mais dolorosa despedida: a despedida de seus parentes que ficavam. Sabiam que jamais voltariam a se ver novamente, e então diziam: “Nos encontraremos no Paraíso”.

Trouxeram um sino de Igreja de tamanho médio, para que os acompanhasse nessa viagem rumo ao desconhecido. Um dos seus filhos que cuidava do sino era o meu bisavô Antonio Miorin (nascido em 29/05/1874). O sino que trouxeram de Vêneto, acompanhou meu bisavô durante toda sua vida na fazenda, em Itatiba. Na Casa do Imigrante (Bairro do Brás - Capital de São Paulo), consta nos registros dos livros, a existência do sino a que me refiro. Depois esse sino desapareceu.

Em Treviso, o acumulo de imigrantes era grande esperando o trem que iria levá-los até Gênova,  onde tinha o porto de navios. Chegando o trem, todos se abraçam, choram, pegam as crianças e os pesados baús e malas de viagem e colocam no trem. Depois amontoam-se nas janelas para dar o último adeus aos que ficavam. O trem atravessa todo o norte da Itália rumo à Gênova, onde havia o porto de navios. Antigamente, os navios que vinham para o Brasil eram a vela, e demoravam em torno de três meses para chegarem. Mas agora os navios já são à vapor e somente demoram um mês de viagem. Enfrentar o mar, era coisa de heróis. Ondas gigantes, ventos fortes, noites frias, chuvas... havia notícia de que um navio já tinha afundado matando todos os seus tripulantes. Antes de partir, havia uma missa. Rezavam, pediam bençãos, levavam objetos religiosos para trazerem ao Brasil. Consta na "trajetória dos imigrantes" que eles vinham nos navios rezando seus terços.

O Navio que transportaria a família Miorin era o Vapor Colombo. Balançando heroicamente sob as ondas do mar oceano, levavam consigo sua família, sua bagagem e sua fé católica.

O Vapor Colombo chegou no porto do Rio de Janeiro em 25/04/1892 e depois de mais oito dias, chegou ao porto de Santos em 03/05/1892, onde desembarcaram. Olharam o mar, a Itália já não estava mais ali. Olharam para o continente, as montanhas estavam ali. Subiram no trem e desembarcaram na Casa do Imigrante no bairro do Brás na Capital de São Paulo. De lá, depois de descansarem, dormirem e se alimentarem, foram encaminhados para as fazendas de café da cidade de Itatiba – interior de São Paulo, nas terras do Barão de Ibitinga.

Em Itatiba, trabalharam, mostraram sua cultura e foram admirados pelos coronéis e barões do café. Uma das fazendas que conserva até hoje a história da imigração italiana é a Fazenda Nossa Senhora da Conceição. Nossa família cultivou naquelas terras de Itatiba, uva e outras plantações típicas italianas, além de cuidar do café das fazendas. Das uvas nossa família fazia preciosos vinhos para consumo doméstico, bem como queijos de sabores inigualáveis. Antonio Miorin (meu bisavô), sabia fazer queijos.

Com o passar do tempo, os filhos foram crescendo e o pai Francesco Miorin acabou ficando velho, cego e viúvo. Os filhos, que aos poucos iam se casando e tendo outras obrigações, não tinham tempo de cuidar do pai viúvo Francesco Miorin. Quem conta essa história é meu tio-avô Pedro Miorin:

“Tendo se tornado viúvo, velho e cego, os filhos não podiam cuidar como deviam de seu pai. Então acharam por bem arranjar uma nova esposa para ele, que pudesse cuidar dele. Mas estava difícil, pois não encontravam ninguém que fosse solteira ou viúva e que quisesse se casar com ele. Até que um dia um dos filhos conseguiu. Meu tio-avô Pedro Miorin dizia que a mulher era manca e não era muito bonita, mas também ele era cego... Desse segundo casamento nasceu uma filha que puseram o nome de Itália. Depois de crescida essa moça foi morar na cidade de Marília – interior de São Paulo – onde construiu sua própria família e descendentes. Não temos notícias dela, apesar de procurar muito.” Quem contou essa história ao caçula Pedro Miorin foi seu pai Antonio Miorin já no Brasil.

Outra história da cidade de Itatiba, o próprio meu tio-avô Pedro Miorin é quem conta:

“Em Itatiba, morava um homem muito ruim que se chamava “Cuba”. Ninguém gostava dele, pois ele só fazia maldades. Um dia ele morreu, porém como ele era muito ruim, ao invés de enterra-lo, embalsamaram ele e puseram o “Cuba” de pé, na porta da Igreja, para que todos que passassem por ele, pudessem belisca-lo. Quando eu era pequeno, sempre que minha mãe me levava na missa, eu passava por lá e beliscava ele."

Nota explicativa do "Cuba": Meu tio-avô Pedro Miorin, não era de mentir. Algo teria acontecido com esse tal de "Cuba". Depois eu vim a saber que, de fato, havia um boneco na porta da Igreja fazendo propaganda de alguma coisa, ou anunciando as festas juninas, ou outra coisa parecida. Minha bisavó Ângela Doratiotto Miorin, sabendo como seu filho Pedro era teimoso algumas vezes, procurava amedrontá-lo dizendo sobre o "Cuba" e o destino de pessoas ruins e teimosas. Ele, por ser criança, acreditava na existência do "Cuba" e procurava ser melhor filho.

É preciso dizer que a cidade de Itatiba foi construída totalmente incrustada em colinas, chegando a receber o apelido de Princesa da Colina, e posteriormente, por sua beleza natural, ficou sendo conhecida como a “Suissa Paulista”. Foi nessa cidade montanhosa que meu bisavô Antonio Miorin conheceu a minha bisavó Ângela Doratiotto. Casaram-se e tiveram vários filhos. Conheci apenas 11, de seus filhos:

1) Eugênio Miorin, meu avô materno, nascido em Itatiba, aos 17/10/1904, viveu no bairro da Mooca, trabalhou nas fazendas de café, em construção de ferrovias e depois na Congas – Companhia de Gás. Faleceu na Capital de São Paulo aos 30/10/1990.

2) Antonio Pedro Miorin – apelido “Tio Tunin” – Se estabeleceu no Bairro do Tatuapé (Capital de São Paulo) – falecido.

3) Giuseppe Miorin – apelido José ou “Tio Bepe” ou Tio Bipím), morava na cidade de Guarulhos em São Paulo – falecido.

4) Luiz Miorin (este ficou solteiro, tem muitas histórias sobre ele, uma delas é que sempre escondia doces para dar aos sobrinhos quando iam visita-lo – era querido por todos). Morava em Artur Alvim – São Paulo – falecido.

5) Rosa Miorin – apelido “Rosina”. Morava na cidade de Guarulhos (SP), tem uma única filha que fazia panetones na Industrias Bauduco. Faleceu com 100 anos de idade. Sua filha, conhecida pelo apelido de “nininha” chama-se Vitorina.

6) Celeste Miorin (morava no Paraná, depois mudou-se para o Bairro do Ipiranga em São Paulo). Era conhecida pela habilidade no cultivo de plantas e horticultura – Fazia sabão com abacate – falecida.

7) Ricardo Miorin (este era o primogênito) – Falecido.

8) Olívia Miorin (depois de casada ficou sendo Olívia Miorin Bertão) – morava na cidade de Campinas – SP – falecida em idade muito avançada.

9) Lucia Miorin (falecida).

10) Catarina Miorin – apelido “Tia Catina” – falecida.

11) Pedro Miorin - O caçula. Era casado com Geralda, teve dois filhos Pedro e Paulo, e netos. Sua esposa Geralda era filha de italianos também, e por isso lhe chamavam carinhosamente de "Geraldina" e desse modo acabou ficando "Tia Dina". Esse meu tio-avô era de temperamento muito alegre, gostava muito de contar histórias da família e era muito hábil comerciante. Um dia contarei a história dos "irmãos Miorin". Vale muito a pena.

Meu avô Eugênio Miorin, aprendeu muito bem com seu pai e se tornou hábil na arte da poda da videira, o que fazia dar sempre frutos de ótima qualidade. Nas fazendas, colhiam café, plantavam. Muitas vezes eram solicitados em outra fazenda para ajudar na colheita do café e posteriormente do algodão. Quando estavam em Ribeirão Claro – no Estado do Paraná – meu avô Eugênio Miorin, casou-se com uma imigrante italiana do sul da Itália que vivia com sua família pelos lados de Campinas, numa fazenda conhecida como Arraial dos Souza. Ela era da família dos Nadeu (Nadeo, Naddeo) que vinha de Pellezzano, Província de Nápoles.

Dessa região, repleta de feitos heroicos, como já relatado neste blog, vinha um tipo de italiano cheio de fé, com canções e orações naturais de seu dialeto, com uma vontade de trabalhar que fazia admirar. Uma doçura de tratamento que não se encontrava fácil. Assim, meu avô Eugênio Miorin conheceu Rosa Nadeu, e casando-se em Ribeirão Claro, no Estado do Paraná (em 07/05/1932), foram posteriormente morar no Arraial dos Souza.

Rosa Nadeu, nasceu em Arraial dos Souza, Estado de São Paulo, aos 08/10/1910 e faleceu na Capital de São Paulo aos 22/05/1991.

Eugênio Miorin, nasceu em Itatiba, Estado de São Paulo, aos 17/10/1904, tendo falecido na Capital de São Paulo, aos 30/10/1990.

Porém a situação política no Estado de São Paulo estava ruim. Se falava em revolução e guerra. Era a década de 1930. Nova crise chegava. A República Velha vinha perdendo força diante dos acontecimentos anarquistas. Os Estados Brasileiros brigavam entre si, especialmente Minas Gerais e São Paulo. Os imigrantes, como minha família, foram obrigados a construir trincheiras nas terras por onde passariam os soldados. E depois disso foram obrigados a saírem correndo, porque os soldados estavam chegando e lá haveria confusão.

Meu bisavô Antonio Miorin com sua família, após terem aberto no solo as trincheiras, largaram tudo e saíram às pressas rumo à Capital de São Paulo, especialmente para o Bairro da Mooca, que era o local onde havia terras para vender e construir suas casas e para onde estavam indo uma grande parte de imigrantes.

Entre outros pertences, meu bisavô Antonio Miorin, levava nas costas um grande saco de pano, repleto de queijos. Porém ao subir a montanha, uma das pontas escapou de suas mãos, e ele viu muito surpreso e triste, a fileira de queijos rolando montanha abaixo... Isso lhe marcou tanto que durante muito tempo ficou contando e re-contando essa história, dos queijos maravilhosos que ele havia perdido.

Chegando no Bairro da Mooca, comprou um terreno e com seus filhos, Antonio Miorin, construiu uma casa muito especial onde morei por nove anos.

Fonte das fotos: internet, desconheço o autor.
Primeira foto: Foto-pintura dos meus bisavós Antonio Miorin e Ângela Doratiotto.

quarta-feira, 12 de junho de 2013

Lembranças de minha bisavó Ângela Doratiotto Miorin


(Segundo informação do filho mais novo de minha bisavó, essa foto foi tirada no ano de 1918 - época em que a fotografia era rudimentar e que precisava de uma ajuda com pintura extra. Todos diziam que esse quadro era de minha bisavó Angela Doratiotto, e ficava pendurado na sala principal da casa). De fato, o quadro era de minha bisavó, mas não era ela quem estava no retrato. A foto era de Santa Basseto, a mãe de minha bisavó, pois na época da foto minha bisavó Angela Doratiotto tinha apenas 41 anos de idade.

Minha bisavó materna, com quem convivi durante nove anos, Ângela Doratiotto Miorin (falecida em 1968), me deixou muitas histórias para contar. Era casada com o imigrante Antonio Miorin (falecido em 1960). Eu sempre observava seu modo de ser, suas conversas com meu avô e com minha avó. Ela conversava em “português” e algumas vezes um pouco puxado para o “italiano”, mas por muitas vezes dizia frases no dialeto Vêneto. Eu entendia tudo o que ela dizia, e prestava muita atenção, repetindo as expressões e frases italianas com meus pais e meus avôs. Minha avó Rosa Nadeu Miorin gostava e sorria quando eu dizia essas frases.

Quando ela estava bem idosa, um pouco antes dos noventa anos de idade, uma vez estava na porta de casa, observando o movimento da rua.

Quando eu vi que ela estava na porta, quis ir para lá para ficar fazendo companhia para ela que eu amava muito. Foi só eu me aproximar, para poder presenciar a cena pitoresca:

Dois meninos andavam pela rua, com uma tartaruga na mão. Ao passarem por minha bisavó, perguntaram:

A senhora não quer a tartaruga?

Ao que ela respondeu:

Essa é a bola do meu filho*, me dê aqui. O menino esticou a mão e ela pegou a pesada tartaruga, jogando-a para dentro de casa.

Os meninos conseguiram se livrar da tartaruga, riram e se foram embora.

Foi assim que eu “ganhei” a tartaruga que viveu longos anos conosco. (*Minha bisavó, me chamava de "filho", tal o carinho que tinha comigo).

(Esta foto, provavelmente, foi tirada no ano de 1938. Minha bisavó estava com 61 anos de idade).

Alguns anos antes, eu era pequenino, havia ficado gripado e com febre.

Não me lembro disso, porque era muito pequeno, mas minha mãe me contou que essa minha bisavó várias vezes sentou-se na minha cama e chorou vendo-me adoecido.

Inenarráveis os momentos de alegria que eu tinha ao conviver com todos eles. Parece que essa característica carinhosa ela transmitiu a todos os seus filhos, porque eu via neles sempre muito carinho e atenção. Tanto os seus filhos como suas filhas, que eram meus tios-avós, mas que eu chamava simplesmente de tios, sempre me recebiam muito bem, eram todos alegres e muito educados.


(Esta foto foi tirada, provavelmente, no ano de 1945, minha bisavó estava com 68 anos de idade, e já haviam nascido minha mãe e seus dois irmãos que eram pequenos e estavam presentes nessa foto)


Quando eu tinha uns 6 ou 7 anos, ganhei de presente, do meu saudoso pai, um patinete muito bonito. Os antigos patinetes eram muito melhores do que os modernos, pois tinham duas rodas grandes e um pedal traseiro que era o breque ou freio.

Como eu morava numa casa grande, com um quintal grande, andava com meu patinete pelo corredor lateral. Ia e vinha muito contente. Ela, minha bisavó Angela Doratiotto Miorin, debruçada no murinho que ladeava a casa, só me observava com os olhos, mas parecia estar admirada com alguma coisa.

De repente chega o meu avô materno, Eugênio Miorin, saindo de dentro da casa, e, andando calmamente, fica ao lado dela, sua mãe, para ver o que ela estava fazendo... Ao ver a presença dele, ela olhou para ele e disse: Cada coisa que inventam, um brinquedo que anda só com duas rodas.

Eu ouvi o que ela disse por que passava bem próximo a eles, naquele momento. Ela, que era imigrante italiana, chegara muito jovem no Brasil, passara toda sua juventude nas fazendas com sua família, como a grande maioria dos imigrantes, não estava acostumada com as modernidades da cidade grande. Meu avô deve ter entendido bem a observação de sua mãe.

Isso me deixava muito contente, porque eu gostava muito das histórias que ela e meus avôs me contavam, porque continham uma realidade vivida pela família que eu tanto admirava.


(Esta foto, provavelmente, foi tirada no ano de 1966 ou 1967, pelo meu pai. Minha bisavó estava com 90 anos de idade. Do lado esquerdo estava meu avô Eugênio Miorin e no meio estava eu)

Num dia com muito sol, estranhei que não era minha mãe que veio me buscar na escola, mas uma vizinha muito amiga da família. Mas como ela falou que minha mãe tinha mandado ela me buscar, então fui com ela. O mais estranho de tudo, para mim, é que não fui levado para minha casa, mas para a casa de uma irmã dela que ficava numa outra rua, mas próximo da minha.

Ninguém me dizia nada, e eu também não perguntava, apenas onde estava minha mãe. Elas diziam que minha mãe pedia para eu ficar um pouco lá com elas. Como eu as conhecia, eram amigas da família de longa data, fiquei por lá, mas impaciente para chegar em casa. Mesmo que brincassem comigo, meus pensamentos estavam em minha mãe. Eu percebia que entre eles havia um mistério, conversavam baixo para eu não ouvir. Isso me causava um sentimento estranho. Depois de algumas horas, resolveram me levar para casa. Quando cheguei lá tive uma surpresa, minha família toda reunida, havia mais de 40 pessoas, entre irmãos de meu avó, de minha avó, primos que moravam longe. Logo que me viu, minha prima Regina veio brincar comigo, mas os outros permaneciam sérios e alguns muito tristes. Tínhamos um quintal muito grande, com plantações e horta, com vários animais de estimação. Árvores frutíferas davam uma sombra muito saborosa e o canteiro de flores de minha avó dava a cor e o perfume devido à tão aprazível lugar.

O que teria acontecido? Não se sabia, apenas havia tristeza no ambiente. Algo muito estranho para mim. Logo, minha tia Celeste (filha de minha Bisavó, irmã de meu avô Eugênio – que eu chamava de tia, mas era minha tia-avó) me chamou. Não falou nada. Aliás, ninguém falou. Mas eu tudo percebi.

Quando entrei na sala, puder ver minha bisavó morta, na urna funerária, em cima da mesa, com muitas flores, e uma renda branca que lhe cobria seu corpo. Antigamente, se velava os finados na própria casa. Ela tinha 92 anos de idade e eu 9 anos de idade. Tinha nascido em Treviso, região do Vêneto (Norte da Itália) em 15 de janeiro de 1876 - filha de Giuseppe Doratiotto e de Santa Basseto. Seu avô paterno chamava-se Paschoal Doratiotto.

Minha tia-avó Celeste Miorin disse: deixe ele se aproximar. Jamais poderei descrever o sentimento que passava em minha alma. Como eu era pequeno, me levantaram e eu então pude beijar os pés de minha bisavó. Beijei, com muito amor, aqueles pés que andaram na Itália; os pés vieram de longe e que andaram em solo do interior paulistano deste meu querido Brasil, e que depois caminharam até a Capital de São Paulo, no Bairro da Mooca, onde morou e transmitiu a seus filhos, netos e bisnetos, a boa educação, os bons costumes e a honra de ser descendente de italianos.