(Segundo informação do filho mais novo de minha bisavó, essa foto foi tirada no ano de 1918 - época em que a fotografia era rudimentar e que precisava de uma ajuda com pintura extra. Todos diziam que esse quadro era de minha bisavó Angela Doratiotto, e ficava pendurado na sala principal da casa). De fato, o quadro era de minha bisavó, mas não era ela quem estava no retrato. A foto era de Santa Basseto, a mãe de minha bisavó, pois na época da foto minha bisavó Angela Doratiotto tinha apenas 41 anos de idade.
Minha bisavó materna, com quem convivi durante nove anos, Ângela Doratiotto Miorin (falecida em 1968), me deixou muitas histórias para contar. Era casada com o imigrante Antonio Miorin (falecido em 1960). Eu sempre observava seu modo de ser, suas conversas com meu avô e com minha avó. Ela conversava em “português” e algumas vezes um pouco puxado para o “italiano”, mas por muitas vezes dizia frases no dialeto Vêneto. Eu entendia tudo o que ela dizia, e prestava muita atenção, repetindo as expressões e frases italianas com meus pais e meus avôs. Minha avó Rosa Nadeu Miorin gostava e sorria quando eu dizia essas frases.
Quando ela estava bem idosa, um pouco antes dos noventa anos de idade, uma vez estava na porta de casa, observando o movimento da rua.
Quando eu vi que ela estava na porta, quis ir para lá para ficar fazendo companhia para ela que eu amava muito. Foi só eu me aproximar, para poder presenciar a cena pitoresca:
Dois meninos andavam pela rua, com uma tartaruga na mão. Ao passarem por minha bisavó, perguntaram:
A senhora não quer a tartaruga?
Ao que ela respondeu:
Essa é a bola do meu filho*, me dê aqui. O menino esticou a mão e ela pegou a pesada tartaruga, jogando-a para dentro de casa.
Os meninos conseguiram se livrar da tartaruga, riram e se foram embora.
Foi assim que eu “ganhei” a tartaruga que viveu longos anos conosco. (*Minha bisavó, me chamava de "filho", tal o carinho que tinha comigo).
(Esta foto, provavelmente, foi tirada no ano de 1938. Minha bisavó estava com 61 anos de idade).
Alguns anos antes, eu era pequenino, havia ficado gripado e com febre.
Não me lembro disso, porque era muito pequeno, mas minha mãe me contou que essa minha bisavó várias vezes sentou-se na minha cama e chorou vendo-me adoecido.
Inenarráveis os momentos de alegria que eu tinha ao conviver com todos eles. Parece que essa característica carinhosa ela transmitiu a todos os seus filhos, porque eu via neles sempre muito carinho e atenção. Tanto os seus filhos como suas filhas, que eram meus tios-avós, mas que eu chamava simplesmente de tios, sempre me recebiam muito bem, eram todos alegres e muito educados.
Quando eu tinha uns 6 ou 7 anos, ganhei de presente, do meu saudoso pai, um patinete muito bonito. Os antigos patinetes eram muito melhores do que os modernos, pois tinham duas rodas grandes e um pedal traseiro que era o breque ou freio.
Como eu morava numa casa grande, com um quintal grande, andava com meu patinete pelo corredor lateral. Ia e vinha muito contente. Ela, minha bisavó Angela Doratiotto Miorin, debruçada no murinho que ladeava a casa, só me observava com os olhos, mas parecia estar admirada com alguma coisa.
De repente chega o meu avô materno, Eugênio Miorin, saindo de dentro da casa, e, andando calmamente, fica ao lado dela, sua mãe, para ver o que ela estava fazendo... Ao ver a presença dele, ela olhou para ele e disse: Cada coisa que inventam, um brinquedo que anda só com duas rodas.
Eu ouvi o que ela disse por que passava bem próximo a eles, naquele momento. Ela, que era imigrante italiana, chegara muito jovem no Brasil, passara toda sua juventude nas fazendas com sua família, como a grande maioria dos imigrantes, não estava acostumada com as modernidades da cidade grande. Meu avô deve ter entendido bem a observação de sua mãe.
Isso me deixava muito contente, porque eu gostava muito das histórias que ela e meus avôs me contavam, porque continham uma realidade vivida pela família que eu tanto admirava.
(Esta foto, provavelmente, foi tirada no ano de 1966 ou 1967, pelo meu pai. Minha bisavó estava com 90 anos de idade. Do lado esquerdo estava meu avô Eugênio Miorin e no meio estava eu)
Num dia com muito sol, estranhei que não era minha mãe que veio me buscar na escola, mas uma vizinha muito amiga da família. Mas como ela falou que minha mãe tinha mandado ela me buscar, então fui com ela. O mais estranho de tudo, para mim, é que não fui levado para minha casa, mas para a casa de uma irmã dela que ficava numa outra rua, mas próximo da minha.
Ninguém me dizia nada, e eu também não perguntava, apenas onde estava minha mãe. Elas diziam que minha mãe pedia para eu ficar um pouco lá com elas. Como eu as conhecia, eram amigas da família de longa data, fiquei por lá, mas impaciente para chegar em casa. Mesmo que brincassem comigo, meus pensamentos estavam em minha mãe. Eu percebia que entre eles havia um mistério, conversavam baixo para eu não ouvir. Isso me causava um sentimento estranho. Depois de algumas horas, resolveram me levar para casa. Quando cheguei lá tive uma surpresa, minha família toda reunida, havia mais de 40 pessoas, entre irmãos de meu avó, de minha avó, primos que moravam longe. Logo que me viu, minha prima Regina veio brincar comigo, mas os outros permaneciam sérios e alguns muito tristes. Tínhamos um quintal muito grande, com plantações e horta, com vários animais de estimação. Árvores frutíferas davam uma sombra muito saborosa e o canteiro de flores de minha avó dava a cor e o perfume devido à tão aprazível lugar.
O que teria acontecido? Não se sabia, apenas havia tristeza no ambiente. Algo muito estranho para mim. Logo, minha tia Celeste (filha de minha Bisavó, irmã de meu avô Eugênio – que eu chamava de tia, mas era minha tia-avó) me chamou. Não falou nada. Aliás, ninguém falou. Mas eu tudo percebi.
Quando entrei na sala, puder ver minha bisavó morta, na urna funerária, em cima da mesa, com muitas flores, e uma renda branca que lhe cobria seu corpo. Antigamente, se velava os finados na própria casa. Ela tinha 92 anos de idade e eu 9 anos de idade. Tinha nascido em Treviso, região do Vêneto (Norte da Itália) em 15 de janeiro de 1876 - filha de Giuseppe Doratiotto e de Santa Basseto. Seu avô paterno chamava-se Paschoal Doratiotto.
Minha tia-avó Celeste Miorin disse: deixe ele se aproximar. Jamais poderei descrever o sentimento que passava em minha alma. Como eu era pequeno, me levantaram e eu então pude beijar os pés de minha bisavó. Beijei, com muito amor, aqueles pés que andaram na Itália; os pés vieram de longe e que andaram em solo do interior paulistano deste meu querido Brasil, e que depois caminharam até a Capital de São Paulo, no Bairro da Mooca, onde morou e transmitiu a seus filhos, netos e bisnetos, a boa educação, os bons costumes e a honra de ser descendente de italianos.
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